O aumento de despejos em Portugal atingiu proporções alarmantes em 2025, constituindo uma das maiores crises habitacionais das últimas décadas. Os dados oficiais revelam um crescimento de 14% nos primeiros meses do ano, com consequências devastadoras para milhares de famílias portuguesas. Esta realidade, agravada por políticas habitacionais controversas e pela introdução de conceitos como a “renda moderada”, expõe as contradições de um sistema que parece privilegiar os interesses imobiliários em detrimento da proteção dos mais vulneráveis.
A Realidade dos Números: Despejos Crescem 14% em 2025
Os dados divulgados pela Direção-Geral da Administração da Justiça revelam uma escalada preocupante do aumento de despejos nos primeiros meses de 2025. Entre janeiro e maio, foram emitidos 659 títulos de desocupação do locado, representando um crescimento de 14% comparativamente ao mesmo período de 2024. Esta tendência ascendente coloca Portugal numa trajetória habitacional insustentável.
Particularmente impressionantes são os números da primeira metade de 2025, onde se registaram, em média, 130 despejos por mês. Este valor supera dramaticamente as médias anteriores e demonstra uma aceleração preocupante do fenómeno que afeta principalmente as classes média e trabalhadora.
Concentração Geográfica do Problema
O aumento de despejos concentra-se nas principais áreas metropolitanas do país. Lisboa surge como o epicentro da crise, registando 282 despejos entre janeiro e maio de 2025, um aumento de 21% face ao período homólogo. O distrito do Porto apresenta 108 casos, com uma subida de aproximadamente 6%.
Setúbal completa o pódio dos territórios mais afetados, com 96 situações documentadas na primeira metade de 2025. Esta concentração não é fortuita, refletindo a especulação imobiliária desenfreada nestas regiões e a ausência de políticas públicas eficazes de proteção habitacional.
Evolução Histórica: Uma Tendência Insustentável
A análise da evolução revela uma tendência crescente que se acentuou drasticamente nos últimos anos. Em 2023, foram recebidos 2.672 pedidos especiais de despejo, representando um aumento de 17% relativamente a 2022. Do total analisado, foram emitidos 1.072 títulos de desocupação em 2023, números que palidiam face à realidade atual.
Principais Causas do Aumento de Despejos em Portugal
Incumprimento Motivado pela Pressão Económica
A falta de pagamento das rendas mantém-se como a causa principal do aumento de despejos em Portugal, mas as razões subjacentes são mais complexas. O aumento descontrolado dos custos de vida, conjugado com a estagnação dos salários reais, criou um fosso insustentável entre os rendimentos familiares e os custos habitacionais.
As estatísticas mostram que os proprietários podem iniciar procedimentos de despejo quando existe incumprimento por três meses consecutivos ou quando, num ano, se verifiquem atrasos superiores a oito dias em mais de quatro ocasiões. Esta flexibilidade legal tem sido amplamente utilizada num contexto de crescente pressão financeira sobre as famílias.
Especulação Imobiliária: A Raiz do Problema
A especulação imobiliária representa a causa mais estrutural do aumento de despejos. Associações de inquilinos denunciam que existe uma estratégia deliberada de despejar inquilinos com contratos antigos ou com rendas baixas, com o objetivo de atualizar valores ou converter imóveis em alojamento turístico.
Esta dinâmica é particularmente visível no Porto, onde ruas inteiras perderam os seus moradores permanentes, sendo dominadas por alojamentos locais, restauração e comércio direcionado ao turismo. Este fenómeno ilustra como o modelo turístico português está a contribuir diretamente para o aumento de despejos e para a desertificação humana dos centros históricos.
Pressões Abusivas Sobre Inquilinos Vulneráveis
O aumento de despejos é frequentemente precedido por pressões ilegais exercidas sobre os arrendatários, especialmente idosos e famílias em situação vulnerável. Estas práticas, que as associações de inquilinos classificam como “bullying imobiliário”, incluem a não renovação de contratos, tentativas de alteração de fechaduras, violação de correspondência e criação deliberada de condições de inabitabilidade.
O Conceito Controverso de “Renda Moderada”: Uma Crítica Necessária
A Definição Desajustada da Realidade Portuguesa
Uma das medidas mais controversas do Governo em 2025 foi a criação do conceito de “renda moderada”, estabelecendo um limite máximo de 2.300 euros mensais para benefícios fiscais. Esta definição revela um profundo desconhecimento da realidade económica portuguesa e constitui, na prática, um apoio disfarçado aos estratos mais privilegiados da população.
Considerar “moderada” uma renda de 2.300 euros num país onde o salário médio se situa nos 1.000 euros representa uma distorção conceptual inaceitável. Esta medida beneficia essencialmente inquilinos com rendimentos no oitavo escalão do IRS (até 81.199 euros anuais) e famílias que o próprio Governo considera “classe média” quando auferem 5.750 euros mensais.
Incentivos Fiscais Mal Direcionados
O programa de “renda moderada” oferece uma redução da taxa de IRS de 25% para 10% nos contratos de arrendamento até 2.300 euros mensais. Paralelamente, prevê a aplicação de uma taxa de IVA de 6% na construção de habitações destinadas a venda por valores até 648.000 euros ou arrendamento até ao limite estabelecido.
Esta orientação fiscal revela uma opção política clara: subsidiar o acesso à habitação das classes médias-altas em detrimento de políticas estruturais que combatam efetivamente o aumento de despejos das famílias mais vulneráveis.
Críticas Generalizadas à Medida
A resposta da sociedade civil ao conceito de “renda moderada” tem sido amplamente crítica. Associações de inquilinos classificam a medida como “uma vergonha” e “brincar com os portugueses”. Organizações sindicais alertam que estas medidas “aprofundam a velha política” e podem ter efeitos inflacionários no mercado de arrendamento.
Mesmo economistas que seguem o mercado imobiliário alertam para a necessidade de critérios mais específicos para atribuir benefícios fiscais, criticando a criação de um “valor de charneira” que engloba indiscriminadamente todos os alojamentos abaixo do limite.
O Impacto das Alterações Legislativas no NRAU
Simplificação Excessiva dos Procedimentos de Despejo
O aumento de despejos está diretamente relacionado com as alterações introduzidas ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) no âmbito do programa “Mais Habitação”. Estas modificações simplificaram e aceleraram os procedimentos de despejo de forma excessiva, criando um desequilíbrio evidente entre os direitos dos senhorios e a proteção dos inquilinos.
A principal alteração permite que o recurso ao procedimento especial de despejo seja possível mesmo quando o senhorio não consegue notificar o inquilino da cessação do contrato. Esta flexibilização facilita despejos abusivos e reduz as garantias processuais dos arrendatários.
O Balcão do Arrendatário e do Senhorio: Eficiência Questionável
A substituição do antigo Balcão Nacional do Arrendamento pelo Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) em fevereiro de 2024 representou uma centralização que, na prática, favoreceu o aumento de despejos. Apesar de concentrar competências e agilizar processos, o BAS tornou os procedimentos mais eficientes para os senhorios sem criar contrapartidas efetivas de proteção para os inquilinos.
Nos primeiros cinco meses de 2025, deram entrada no BAS 1.107 pedidos de procedimento especial de despejo. Embora represente uma diminuição de 6% face ao ano anterior, o número absoluto continua elevado e os procedimentos são processados com maior celeridade.
Grupos Vulneráveis: O Drama Silencioso dos Despejos
Idosos: Proteção Legal Insuficiente
Contrariamente à perceção generalizada, nem todos os idosos estão protegidos contra o aumento de despejos. A proteção legal aplicava-se principalmente aos contratos anteriores a 1990, que representam atualmente “percentagens muito baixas”. Inquilinos idosos com contratos posteriores a 2006 encontram-se numa situação particularmente vulnerável.
Métodos de Coacção e Pressão
O “bullying imobiliário” tornou-se uma realidade sistemática no contexto do aumento de despejos. Proprietários recorrem a métodos como deterioração deliberada de infraestruturas, corte de serviços essenciais, e criação de situações de incumprimento forçado para acelerar saídas.
Estas práticas, embora frequentemente ilegais, são difíceis de provar e raramente resultam em sanções efetivas, criando um ambiente de impunidade que incentiva comportamentos abusivos.
Procedimento Especial de Despejo: Rapidez Excessiva
Prazos Acelerados e Garantias Reduzidas
O procedimento especial de despejo pode ser concluído, em média, entre 2 a 6 meses quando tramitado pelo BAS. Esta celeridade, apresentada como uma vantagem do sistema, na realidade reduz o tempo disponível para que famílias em dificuldades encontrem alternativas habitacionais ou regularizem a sua situação.
Após a receção do pedido, o inquilino dispõe apenas de 15 dias para se opor à ação. Este prazo, manifestamente insuficiente para famílias em situação vulnerável, contribui para o aumento de despejos por ausência de resposta tempestiva.
Consequências Sociais Devastadoras
Retrocesso Habitacional e Exclusão Social
O aumento de despejos está a justificar “a criação de bairros de barracas na Área Metropolitana de Lisboa”. Este retrocesso social representa um regresso a realidades que se julgavam ultrapassadas, com famílias forçadas a viver em condições precárias após perderem as suas habitações.
Simultaneamente, verifica-se “um aumento significativo da sobrelotação”, com múltiplas famílias a partilharem espaços habitacionais inadequados por falta de alternativas no mercado.
Impacto na Coesão Social e Saúde Pública
As consequências do aumento de despejos transcendem a questão habitacional, afetando a saúde mental das famílias, o desempenho escolar das crianças e a coesão social das comunidades. A instabilidade habitacional cria ciclos de exclusão social difíceis de quebrar.
Soluções Insuficientes e Medidas Cosméticas
Apoios Estatais Limitados e Burocratizados
Embora existam mecanismos de apoio estatal para prevenir o aumento de despejos, estes revelam-se frequentemente inadequados e burocratizados. O programa permite apoios em casos de “comprovada carência de meios” em articulação com a Segurança Social, mas os critérios restritivos e os procedimentos morosos limitam a sua eficácia.
Compensações para Senhorios: Prioridades Questionáveis
O sistema de compensação para senhorios com contratos anteriores a 1990, calculado com base na diferença entre a renda atual e 1/15 do valor patrimonial tributário, representa mais um subsídio público ao setor imobiliário. Esta medida, embora possa reduzir alguns incentivos ao despejo, não aborda as causas estruturais do problema.
Perspetivas Futuras: Um Horizonte Sombrio
Previsões Alarmantes para o Final de 2025
As projeções para o final de 2025 são extremamente preocupantes. Especialistas antecipam que, “se nada for feito, o fim do ano vai ser dramático” com “um aumento muito significativo de despejos”. Esta previsão baseia-se na tendência crescente observada e na ausência de medidas estruturais para inverter a situação.
Necessidade de Revisão Política Urgente
A atual legislação permite que “qualquer contrato posterior a 2006 seja precário”, no sentido de poder cessar por livre decisão do proprietário. Esta precariedade legal, conjugada com as pressões do mercado, torna o aumento de despejos uma consequência inevitável das políticas habitacionais vigentes.
Medidas Estruturais Ignoradas
- Regulação efetiva do alojamento local e limitação da especulação turística
- Criação massiva de habitação pública verdadeiramente acessível
- Fiscalização rigorosa de práticas abusivas no mercado de arrendamento
- Proteção reforçada de inquilinos vulneráveis, especialmente idosos e famílias com crianças
- Controlo de rendas em zonas de pressão habitacional elevada
A Falácia da “Renda Moderada”: Uma Análise Crítica
Um Conceito ao Serviço dos Privilegiados
O conceito de “renda moderada” até 2.300 euros constitui uma das maiores falácias das políticas habitacionais portuguesas recentes. Num país onde uma parcela significativa da população aufere salários próximos do mínimo nacional, classificar como “moderada” uma renda que consome mais de duas vezes o salário médio representa uma distorção inaceitável da realidade social.
Esta definição revela não apenas desconhecimento das condições económicas dos portugueses, mas também uma opção política clara de privilegiar os estratos sociais mais favorecidos em detrimento de políticas verdadeiramente redistributivas.
Efeitos Inflacionários Previsíveis
O estabelecimento do limite de 2.300 euros para benefícios fiscais cria inevitavelmente pressões inflacionárias no mercado de arrendamento. Proprietários com rendas abaixo deste valor têm agora um incentivo fiscal direto para as aumentar, aproximando-se do limite máximo para maximizar os benefícios.
Esta dinâmica contraria frontalmente os objetivos declarados de tornar a habitação mais acessível e pode acelerar ainda mais o aumento de despejos de famílias que se tornam incapazes de suportar as novas realidades de preços.
Conclusão: Uma Crise que Exige Coragem Política
O aumento de despejos em Portugal em 2025 não é apenas uma questão estatística, mas um sintoma de políticas habitacionais falhadas que privilegiam consistentemente os interesses do capital imobiliário sobre o direito fundamental à habitação. Com um crescimento de 14% nos primeiros meses do ano e uma média de 130 famílias despejadas mensalmente, Portugal enfrenta uma emergência habitacional que exige resposta urgente e corajosa.
A introdução do conceito de “renda moderada” até 2.300 euros expõe as contradições de um sistema que se diz preocupado com a habitação acessível mas que, na prática, subsidia o acesso à habitação das classes médias-altas. Esta orientação política, conjugada com a simplificação excessiva dos procedimentos de despejo e a ausência de regulação efetiva da especulação imobiliária, cria um ambiente propício ao aumento de despejos.
As alterações legislativas ao NRAU e a criação do BAS, embora apresentadas como modernização administrativa, facilitaram na prática a expulsão de famílias das suas habitações. A proteção insuficiente de grupos vulneráveis, especialmente idosos, e a tolerância face a práticas abusivas de “bullying imobiliário” completam um quadro de desproteção social.
O aumento de despejos está a provocar retrocessos sociais dramáticos, com o ressurgimento de bairros de barracas e situações de sobrelotação habitacional. Estas consequências transcendem a esfera habitacional, afetando a saúde pública, a coesão social e o próprio tecido democrático da sociedade portuguesa.
A inversão desta tendência exige medidas estruturais que o atual executivo parece relutante em implementar: regulação efetiva do alojamento local, criação massiva de habitação pública verdadeiramente acessível, controlo de rendas em zonas de pressão elevada e proteção reforçada dos mais vulneráveis.
O aumento de despejos não é uma fatalidade, mas o resultado de escolhas políticas concretas. Combatê-lo eficazmente requer o abandono de políticas que favorecem a especulação imobiliária e a adoção de uma estratégia habitacional que coloque o direito à habitação no centro das prioridades governativas. Sem esta mudança de paradigma, Portugal continuará a assistir ao agravamento de uma crise que está a destruir vidas e a fragmentar comunidades inteiras.
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